Quase não dá pra falar sobre o último filme do Paco Plaza, o Irmã Morte, uma prequel de um filme dele de 2017, o Verônica, sem mencionar aquele outro filme de terror com freiras desse ano, o Vida II, que se passa no universo de A Conjuração. É curioso que tanto o Vida II quanto o Irmã Morte sejam ambientados em internatos europeus para garotas na metade de 1900. Os dois filmes também têm uma referência bem significativa à Santa Luzia e a uma noviça enfrentando uma crise de fé.
De qualquer forma, o Irmã Morte é mais eficaz do que o Vida II em tudo o que tenta fazer, e o motivo principal é que o filme do Plaza não tenta fazer demais. Ele simplifica as coisas, sem você nem perceber. Assim como o Verônica, o Irmã Morte não inventa novidades na história, mas a execução é o que faz ele ser bem-sucedido. Enquanto o Vida II fica devendo em conhecimento do universo maior de A Conjuração, o Irmã Morte consegue focar em uma história mais básica e triunfa por causa disso.
Silenciado, a Aria Bedmar estrela como a personagem principal do filme, a Irmã Narcisa, a versão jovem da “Irmã Morte”, a freira cega que ajuda a Verônica no filme de 2017. Em 1939, no final da Guerra Civil Espanhola, a jovem Narcisa fica famosa por ter supostamente visto a Virgem Maria. A história dela vira manchete, e ela é apelidada de “criança sagrada”, o que acaba chamando a atenção das freiras no novo local de trabalho dela, um antigo convento transformado em escola para garotas.
Ao chegar, a Irmã Narcisa é recebida com ceticismo pela Irmã Julia (Maru Valdivielso), mas é adorada pela Madre Superiora (Luísa Merelas). O trabalho dela lá é ser professora, substituindo outra freira que saiu em circunstâncias suspeitas.
Dada toda a atmosfera de quando ela era criança, a Narcisa passa por uma crise de fé e encontra iluminação num lugar bem inesperado durante o tempo na escola. Quando você é chamado de “filho santo” pelos jornais, elogiado por fazer um milagre num período de grande dificuldade, é difícil corresponder às expectativas de todos.
No primeiro encontro delas, a Madre Superiora deixa claro que viu a história da Narcisa como uma esperança na escuridão, até apontando pra uma foto da recorte de jornal pendurado na parede do escritório. Esse encontro já mostra como vai ser a trajetória da Narcisa enquanto ela tenta corresponder às expectativas e suspeita que tem algo muito errado com a escola.
Em termos de terror, o Irmã Morte não é tão obviamente assustador como o Verônica, ele prefere uma abordagem mais lenta, um áudio bem cuidado e imagens perturbadoras pra criar um clima desconfortante e de inquietação. Os sustos são raros, porque o roteiro foca mais na jornada da personagem da Narcisa e revela aos poucos os horrores do passado da escola. É uma história realmente sombria, às vezes parece até um drama psicológico pesado, mais do que um terror tradicional, mas é exatamente essa história que deixa os sustos mais angustiantes.
Mas, como eu disse lá em cima, o Irmã Morte pode parecer bem direto e reto em algumas partes, mas tem uma profundidade que surpreende. Eu fiquei refletindo sobre os temas e desvendando as camadas dele desde que assisti. Além de ser imersivo e assustador, o Irmã Morte te marca e é difícil se livrar disso.
Uma das coisas mais marcantes do filme é a parte visual, ele é lindo de se ver. Cada cena foi escolhida com um cuidado enorme. O Paco Plaza é um diretor corajoso e talentoso, que sabe destacar o roteiro e as atuações com a direção dele.
Filmado no formato 4:3, o Irmã Morte tem uma vibe nostalgia dos primeiros tempos do cinema, que combina bem com a época em que se passa. O quadro apertado nunca sufoca, mas abraça carinhosamente a personagem interpretada pela Bedmar, destacando a atuação dela e aumentando as emoções, fazendo você prestar mais atenção nela e mantendo o visual geral do filme simples. A história é dela, e estrutura garante que você não vai esquecer disso.
Se eu fosse reclamar de alguma coisa, seria que o filme usa muito os sonhos como desculpa pra dar uns bons sustos. Sem querer dar spoiler, teve várias vezes em que rolou um “ah, que merda” e depois “hehe, era só sonho!”. Acaba tirando um pouco do impacto quando isso acontece.
E sim, pra quem tá curioso, o final tem uma pequena conexão com o Verônica. O Irmã Morte estreia na sexta-feira, 27 de outubro, na Netflix.