A parada da IA no entretenimento é uma briga que não parece que vai acabar tão cedo. É uma daquelas coisas que a gente não consegue desfazer. A gente provavelmente não vai conseguir se livrar da inteligência artificial, mas pelo menos dá pra aprender a lidar com ela e criar leis pra regular isso tudo.
O uso da IA é uma grande dor de cabeça pra SAG-AFTRA e pra greve recentemente resolvida da WGA. Os atores, escritores e artistas em geral têm medo de serem substituídos pelas máquinas pra economizar dinheiro. É transformar a arte em só “conteúdo” e deixar de ser arte de verdade.
Como é que algo artificial pode realmente simular a experiência humana? Resumindo: não pode. Tudo que a IA faz é pegar resumos e depois soltar algo parecido, mas não totalmente original. Pelo menos um criador da Netflix concorda firmemente com isso, e se você assistiu à série dele, sabe o porquê.
Muitas das coisas que tão acontecendo hoje em dia parecem histórias tiradas direto dessa série britânica bem satírica, o Black Mirror do Charlie Brooker. É assustador quantas coisas do programa tão se tornando realidade.
Os estúdios tão enganando os figurantes pra sempre doar a imagem deles digitalmente. Eles querem que os atores concordem em serem escaneados pra uso pra sempre. Dá pra imaginar o tanto que isso é ruim, especialmente conforme deepfakes ficam cada vez mais realistas. O episódio “Joan is Awful”, da 6ª temporada do Black Mirror, aborda essa possibilidade direto.
É fingir ser alguma coisa que o negócio não pode ser.
O Charlie Brooker não parece tão preocupado assim com a IA, pelo menos quando se trata da escrita, depois de experimentar na prática. Ele participou de um evento em Sydney, Austrália, e falou sobre IA pro The Guardian.
Ele contou que testou o ChatGPT, pedindo pra ele escrever um esboço de um episódio do Black Mirror e que, mesmo no começo, ele ficou com medo de ser substituído, chegando a brincar que queria se jogar pela janela, mas depois de ler o roteiro, ele relaxou um pouco.
“Enquanto isso, você pensa: ‘Ah, que chato. Fiquei com medo por um minuto, agora tô entediado porque é tudo derivado. É só tentando ser alguma coisa. Ele comeu todas as descrições de cada episódio do Black Mirror, provavelmente da Wikipedia e outras coisas que as pessoas escreveram, e tá vomitando tudo de volta pra mim. É fingir ser alguma coisa que não pode ser.”
No fim das contas, a única coisa que o Brooker acha que a gente tem e a IA nunca vai ter é a capacidade de sermos bagunçados, de sermos “messy”, e ele não consegue ver a inteligência artificial copiando isso de uma maneira autêntica.
Charlie Brooker desmente que o Black Mirror perdeu sua vantagem
Outra coisa que o Brooker mencionou durante um painel é que ele já ouviu críticas a respeito disso. O Black Mirror não é tão tenso quanto costumava ser, que estar na Netflix e ter atores famosos pode ter deixado o programa menos corajoso.
Pra quem fala isso, eu digo: você não viu os episódios “Loch Henry” ou “Beyond the Sea” da 6ª temporada? Os dois foram tão macabros quanto o Black Mirror pode ser, principalmente o “Loch Henry”. Eu tenho minhas próprias críticas sobre o programa e muitas vezes acho que os episódios antigos eram melhores no geral, mas o Brooker diz que a Netflix teve pouco impacto na evolução do show.
O criador já falou que a medida que a realidade fica mais sombria, especialmente na área de tecnologia, pode ser difícil fazer coisas tão sombrias, ou até mais.
Em 2020, o Brooker disse pro Radio Times que o mundo talvez precisasse de um tempo sem Black Mirror.
“Por enquanto, eu não sei quem teria estômago pra histórias de sociedades em colapso, então eu não tô trabalhando nisso. Tenho esperança de voltar pras minhas habilidades de comédia, então eu tenho escrito roteiros com o objetivo de me fazer rir.”
A 6ª temporada do show segue por um caminho diferente em termos de tom. Até mesmo o “Loch Henry”, apesar de perturbador pra caramba, é um pouco diferente em termos de gênero. O Brooker parece que tá expandindo o Black Mirror e explorando outras paradas além da paranoia com tecnologia. Outro exemplo disso é o “Demon 79”, que parece mais uma história de terror tradicional que encaixaria certinho em outras séries antológicas da Netflix, como o Gabinete de Curiosidades de Guillermo del Toro.
No final das contas, o Brooker gosta de misturar as coisas.
“Eu tava ciente de que a gente tá atingindo um público global, então a gente precisava fazer as histórias mais internacionais. E eu queria misturar um pouco, pra não fazer só histórias tensas o tempo todo.”
Ele também lembra que lá atrás ele fez o “San Junipero”, um dos episódios mais felizes (e aclamados) da série, “por conta própria”. Então a ideia de que a Netflix moldou a narrativa dele não é exatamente uma crítica certeira. A escrita dele evoluiu junto com o programa, o que pode agradar uns e outros nem tanto.
Crédito pro Brooker, quando o episódio de estreia tem um primeiro-ministro forçado a transar com um porco na TV ao vivo, é bem difícil superar isso em nível de seriedade.
Tem potencial pra ter uma sequência de ‘White Bear’
No painel, o escritor britânico mencionou que tem algumas ideias pra dar uma sequência pra um dos episódios mais perturbadores de todos do Black Mirror, o da 2ª temporada, “White Bear”. Ele também pensou em como o “Demon 79” poderia se transformar numa série independente.
Além disso, teve uma boataria de que o “USS Callister” ia ter um spinoff próprio, mas isso ainda não aconteceu.
Revive todas as seis temporadas do Black Mirror na Netflix agora.